Uma
lenda jahuense
Manoel
Portes
(publicado
na Revista Brasilitas, numero especial dedicado à zona de Jahu, janeiro de
1937)
Manuel
Portes chegara ao Potunduva por voltas de 1830 em companhia de três camaradas,
que trouxera de Araraitaguaba, atual Porto Feliz.
Conquanto
já meio deslembrada a época das bandeira, o amor do imprevisto, aliado à
cobiça, ainda incentivava os homens do tempo às incursões pelo mato bravio, na ânsia
de ampliar os horizontes além da monotonia e pobreza dos vilarinhos do interior
paulista.
Estabeleceu-se
com sua trempe de empregados à beira do Tietê, alguns quilômetros além do
Potunduva, nessa época em plena decadência pela escassez de monções que constituíram
a razão de ser daquela colônia.
Armada
a sua barraca, Portes ocupou-se a devastar o matagal, que a comprimia.
Certo
dia saira, como de costume, para continuar uma picada na mata bravia, processo sumaríssimo
com que pouco a pouco ia assinalando a posse das terras. O homem lutava contra
um mar de florestas, “sem nenhuma ilha de campo nativo”, segundo refere um
antigo cronista jauense, (1) quando lhe aconteceu tropeçar num cipó, que traiçoeiramente
se insinuara por baixo de um tufo de salgueiro. Caiu de borco sobre o facão. Ao
socorrê-lo, notaram os camaradas que o peito do amo brotava sangue aos golfos.
A
ferida – não havia duvidar – era grave e naquele socavão de floresta, onde
encontrar recursos? Ele teve o pressentimento de morte próxima e, uma vez
estirado concentrou-se com toda a sua força mental, na figura do santo eclesiástico.
Uma vaga intuição lhe assegurava, que as
ondas de pensamento com mais amplitude no moribundo, encontram ressonância numa
alma receptiva. O monodeismo, pelo seu agente ódico, desperta o mágico no homem
em vias de morte.
Fixou,
pois, Manoel Portes o pensamento nesse favo de bondade, que era Frei Galvão. Um
torpor visinho de consciência, sem sofrimento e sem ação, tomava o corpo do
ferido.
Mas,
a súbitas, com o vero assombro dos que o cercam ele se reanima.
E,
com voz forte e impetuosa, ordena aos seus camaradas: - “Retirem-se, que me vou
confessar, Frei Galvão esta diante de mim”.
Os
homens obedeceram. E, consoante o precipitado cronista, um “enorme tufão” se
formou misteriosamente frente à barraca.
Frei
Galvão, no púlpito da Sé, em São Paulo, predicava sua palavra habitualmente fácil
e fluente, a certa augura começa a falhar.
Gagueira,
fala aos arrancos...
Mas
a perturbação dura pouco. Interrompendo o sermão, exclama aos fieis: - “Ajoelhai
e orai. Em longínquo sertão, um moribundo me chama. Esperai que eu volte”.
Ajoelhou-se
no púlpito e durante cerca de quinze minutos pareceu dormir, com a cabeça
perdida sobre o peito. Depois, levantou-se e continuou a prédica.
Ao
voltarem, viram os camaradas de Manoel Portes, que da barraca saia um frade.
Entraram.
Uma caixa de roupa, que ficara aos pés do enfermo, achava-se ao lado da cabeça
do moribundo.
Ainda
uma frase vaga tremeu nos lábios do sertanista e o seu semblante se entesou na
rigidez da morte.
Tal
é a lenda, relembrada até 1900 por uma velha taboleta pregada em uma cruz, que
existiu no Potunduva, e que talvez já se tenha apagado da memória dos jauenses
de hoje.
(1)
– Sebastião Teixeira – O Jahú em 1900.
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