A Colônia
do Potunduva – Mario Pahim
Publicado
no revista Brasilitas, janeiro de 1937, pag. 23 – Acervo Museu Municipal de
Jahu.
(...)
Galgando
a Serra de Brotas
Em
1835, mais de dez anos depois de abandonada a colônia do Potunduva, moradores
da capela de Brotas abalaram de seus campos nativos, no rasto dos silvícolas
que, no tempo do milho, desciam do planalto a depredar-lhes as roças. A testa
da expedição que se aventurava; Dutra, Velloso e Joaquim Piranha, destemerosos
e adequados instrumentos para a jornada de perigo e de desbravamento que se
propunham levar a cabo. Aprovisionadas as mochilas de paçoca de carne de vaca,
sal, farinha de milho; munidos de facões de cabo de chifre batidos na tenda do
ferreiro da terra; armados de fuzis de pederneiras, bem municiados; com o animo
resoluto de paulistas acostumados às batidas nos sertões, cerca de trinta
homens se insinuaram pelos tomabarores da serra de Brotas, galgando-a, com
dificuldade, pelo carreiro dos índios. O
obstáculo para gente daquele tempo formidável, eriçado de mataria fechada,
misterioso e sombrio, ameaçador e bruta, empinava-se lhes diante cortando-lhes
as passadas. Não obstante, molestados embora pela carga que levavam as costas,
resvalando nos íngremes pendores, ajudando-se com as mãos e os braços chegaram às
abas do planalto. E este foi o penoso labor do primeiro dia. Meia jornada mais
os levou as cabeceiras do rio Jahu, nas proximidades da estação de Taboleiro. A
caída do solo, no rumo direto que levavam, os advertiu logo depois que se
encontravam já nas contra vertentes das águas que se despenhavam nos campos de
onde vinham.
Precavidos,
cautelosos, internaram-se na selva densa, acompanhando entre tropeços
mesquinhos cá em baixo, o caminho desanuviado e glorioso do sol no céu traçado,
indo pela rude picada que vinte facões afiados abriam na espessura da selva.
Precediam-nos, a distancia de não ouvirem a bulha dos ferros talhando e
retalhando, Dutra e Velloso, animosos guarda - avançados da coluna. De permeio,
escalonavam-se o guia Xavier e Piranha, elementos indispensáveis de ligação.
Desciam, seguindo o curso de águas desconhecidas e atentavam para a vestimenta
das terras que se ia aos poucos modificando e melhorando. Vestígios mais
amiudados da presença dos índios revelavam-se nas armadilhas de cipó imbê e nos
fojos que encontravam nos troncos furados com instrumentos de pedra de onde
tinham sido retirados os favos dulcíssimos da mandaçaia ou jataí, manduri ou
tubuna. Pressentidos pelos índios, que haviam entrevisto em pequeno número,
mais cuidados se tornaram com receio das tocais e surpresas de tão astuto
inimigo. Não tardou muito que um dos batedores, caminhado pelo carreiro,
ferisse o pé de onde os companheiros arrancaram um estrepe de guauvira. O guia
lhes explicou, então, que era traça de coroados afiarem pequenas lascas, de
guarantan quase sempre, plantando-as nos carreiros com as pontas viradas para
cima, dissimuladas em pequenas moitas de folhas secas. Podiam assim os
perseguidores receber ferimentos no calcanhar ou na planta dos pés, sem
desaire. Mas, fácil tarefa era defender-se de tais insidias: quando vissem
moitinhas suspeitas de folhas secas arrumadas de fresco, como que javevô, era
só adiantarem o pé de raspão, de modo a deitar o estrepe por terra. Nada de
assentar o pé levantado nos perigosos montículos. – Disse e botou-se a campear um palmitiquira, cujo
sumo espremeu no ferimento do companheiro.
As
terras apuravam-se sempre mais, a medida que avançavam e que o volume da
corrente que seguiam se engrossava. A margem dos córregos, nos solos humosos e
frescos, entre os fetos arborescentes, subia, aqui e alem o estípite esguio do
palmito branco cujas palmas elegantíssimas e airosas não se confundem com a
arrepiada e descabelada coma dos encontradiços coqueiros e dos verdes jeribás,
cujo caule direito, freqüentemente, na caótica confusão das linhas obliquas,
angulosas ou sinuosas da floresta, dava, prumo aos quadros naturais
substituindo a horizontal afogada nas moitas.
A
noite, nos pousos atormentavam-nos muriçocas, ratos, biriguis e o sono
sobressaltado que dormiam era freqüentemente interrompido pelos miados das
pintadas rondando o acampamento, contidas apenas pelo clarão das fogueiras a miúde
atiçadas.
E,
cedo, reencetavam nova jornada, sem dar um tiro poupando munição para a hora
decisiva do iminente combate com os índios, cujos domínios varejavam
corajosamente.
Assim
se adiantaram lentamente, até que toparam certa tarde, com as malocas dos
gentios.
Instruídos
pelo guia, senhor cada qual do papel que lhe cabia representar naquela grave
conjuntura, escondidos de rojo nas moitas espinhosas do rupiá, aguardaram a
madrugada para cair de surpresa sobre a taba, como era de regra, postando-se os
atacantes na entrada das malocas e dando grandes brados. Os índios
precipitavam-se, então, para o exterior, sendo mortos ou golpeados pelos que
estavam de emboscada.
Naquela
noite, porem, a previsão do acautelado guia, não se realizou. Os coroados dançaram
a noite toda, alumiados pelo clarão das fogueiras, em constantes libações de
mel azedo que serviam em pequenos cochos de jacaratiá. O cacique, reconhecível
pelo vigoroso desempenho e atitudes decididas que assumia, pelo variegado cocar
ostentando as penas da araúna ou gavião, motum ou Canindé que lhe cingia a
fronte e alteava a estatura, estimulou-lhes a vigília. Quando a friagem da
madrugada trespassou os invasores amoitados, um deles não se pode conter e
tossiu. Este pequeno incidente provocou o pânico entre os selvagens, em cujo
vozerio a palavra “anhanguera” tinha soado muitas vezes, e fe-los abalarem em
rápida fuga acossados pelos brancos que os encalçavam, disparando as armas. Ou
fosse que, na confusão, os tiros se tivessem perdido ou que os índios, na fuga
precipitada houvessem carregado, como costumam, os cadáveres e feridos da sua
grei – o certo é que nenhum silvícola morto ou vivo, foi apanhado.
Ao
fim do segundo dia que seguiu este acontecimento, acamparam os brotenses na
barra do Pouso Alegre a que Onça, porque duas pintadas com cria rugiram toda a
noite, cercando o pouso. Cruzaram, depois, a barra do ribeirão das Palmeiras,
atual divisa com Bariri e no oitavo dia,
chegaram a foz do Jahu, permanecendo alguns dias na margem direita do Tietê, caçando
e pescando para refazerem as desbaratadas provisões de boca e darem aos membros
fatigados o necessário descanso.
Os invasores tinham nessa expedição
atravessado de sudeste a noroeste o território hoje ocupado pelos municípios de
Torrinha, Dois Córregos, Jahu e Bica de Pedra, impondo as marcas da sua
conquista as terras que desvendavam. “Havia, então a lei da posse (diz um
obscuro cronista que me transmitiu estes dados), segundo a qual, quem
encontrava um córrego ou mesmo um ribeirão fazia um pequeno cultivado na barra
e ficava dono de todas as vertentes daquela água”.
Francisco
Mira tomou posse dos Dois Córregos; Manuel Joaquim Lopes da bacia do ribeirão
São João; Dutra, ao que parece, o leão do bando, assenhorou-se de todas as
vertentes do Jahu compreendendo as grandes e antigas fazendas “Pouso Alegre de
Baixo”, “Pouso Alegre de Cima” e “Santo Antonio” que inclui no seu perímetro o
território em que assenta a cidade de Jahu; Piranha e Velloso instalaram-se na
confluência do rio Jahu com o Tietê.
(Excertos
do discurso proferido pelo Dr. Mario Gomes Pahim, na inauguração do edifício do
Forum de Jahu em 1934).
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