terça-feira, 1 de outubro de 2013

A saga da ocupação territorial de Jaú

A Colônia do Potunduva – Mario Pahim

Publicado no revista Brasilitas, janeiro de 1937, pag. 23 – Acervo Museu Municipal de Jahu.

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Galgando a Serra de Brotas
Em 1835, mais de dez anos depois de abandonada a colônia do Potunduva, moradores da capela de Brotas abalaram de seus campos nativos, no rasto dos silvícolas que, no tempo do milho, desciam do planalto a depredar-lhes as roças. A testa da expedição que se aventurava; Dutra, Velloso e Joaquim Piranha, destemerosos e adequados instrumentos para a jornada de perigo e de desbravamento que se propunham levar a cabo. Aprovisionadas as mochilas de paçoca de carne de vaca, sal, farinha de milho; munidos de facões de cabo de chifre batidos na tenda do ferreiro da terra; armados de fuzis de pederneiras, bem municiados; com o animo resoluto de paulistas acostumados às batidas nos sertões, cerca de trinta homens se insinuaram pelos tomabarores da serra de Brotas, galgando-a, com dificuldade, pelo carreiro dos índios.  O obstáculo para gente daquele tempo formidável, eriçado de mataria fechada, misterioso e sombrio, ameaçador e bruta, empinava-se lhes diante cortando-lhes as passadas. Não obstante, molestados embora pela carga que levavam as costas, resvalando nos íngremes pendores, ajudando-se com as mãos e os braços chegaram às abas do planalto. E este foi o penoso labor do primeiro dia. Meia jornada mais os levou as cabeceiras do rio Jahu, nas proximidades da estação de Taboleiro. A caída do solo, no rumo direto que levavam, os advertiu logo depois que se encontravam já nas contra vertentes das águas que se despenhavam nos campos de onde vinham.
Precavidos, cautelosos, internaram-se na selva densa, acompanhando entre tropeços mesquinhos cá em baixo, o caminho desanuviado e glorioso do sol no céu traçado, indo pela rude picada que vinte facões afiados abriam na espessura da selva. Precediam-nos, a distancia de não ouvirem a bulha dos ferros talhando e retalhando, Dutra e Velloso, animosos guarda - avançados da coluna. De permeio, escalonavam-se o guia Xavier e Piranha, elementos indispensáveis de ligação. Desciam, seguindo o curso de águas desconhecidas e atentavam para a vestimenta das terras que se ia aos poucos modificando e melhorando. Vestígios mais amiudados da presença dos índios revelavam-se nas armadilhas de cipó imbê e nos fojos que encontravam nos troncos furados com instrumentos de pedra de onde tinham sido retirados os favos dulcíssimos da mandaçaia ou jataí, manduri ou tubuna. Pressentidos pelos índios, que haviam entrevisto em pequeno número, mais cuidados se tornaram com receio das tocais e surpresas de tão astuto inimigo. Não tardou muito que um dos batedores, caminhado pelo carreiro, ferisse o pé de onde os companheiros arrancaram um estrepe de guauvira. O guia lhes explicou, então, que era traça de coroados afiarem pequenas lascas, de guarantan quase sempre, plantando-as nos carreiros com as pontas viradas para cima, dissimuladas em pequenas moitas de folhas secas. Podiam assim os perseguidores receber ferimentos no calcanhar ou na planta dos pés, sem desaire. Mas, fácil tarefa era defender-se de tais insidias: quando vissem moitinhas suspeitas de folhas secas arrumadas de fresco, como que javevô, era só adiantarem o pé de raspão, de modo a deitar o estrepe por terra. Nada de assentar o pé levantado nos perigosos montículos.  – Disse e botou-se a campear um palmitiquira, cujo sumo espremeu no ferimento do companheiro.
As terras apuravam-se sempre mais, a medida que avançavam e que o volume da corrente que seguiam se engrossava. A margem dos córregos, nos solos humosos e frescos, entre os fetos arborescentes, subia, aqui e alem o estípite esguio do palmito branco cujas palmas elegantíssimas e airosas não se confundem com a arrepiada e descabelada coma dos encontradiços coqueiros e dos verdes jeribás, cujo caule direito, freqüentemente, na caótica confusão das linhas obliquas, angulosas ou sinuosas da floresta, dava, prumo aos quadros naturais substituindo a horizontal afogada nas moitas.
A noite, nos pousos atormentavam-nos muriçocas, ratos, biriguis e o sono sobressaltado que dormiam era freqüentemente interrompido pelos miados das pintadas rondando o acampamento, contidas apenas pelo clarão das fogueiras a miúde atiçadas.
E, cedo, reencetavam nova jornada, sem dar um tiro poupando munição para a hora decisiva do iminente combate com os índios, cujos domínios varejavam corajosamente.
Assim se adiantaram lentamente, até que toparam certa tarde, com as malocas dos gentios.
Instruídos pelo guia, senhor cada qual do papel que lhe cabia representar naquela grave conjuntura, escondidos de rojo nas moitas espinhosas do rupiá, aguardaram a madrugada para cair de surpresa sobre a taba, como era de regra, postando-se os atacantes na entrada das malocas e dando grandes brados. Os índios precipitavam-se, então, para o exterior, sendo mortos ou golpeados pelos que estavam de emboscada.
Naquela noite, porem, a previsão do acautelado guia, não se realizou. Os coroados dançaram a noite toda, alumiados pelo clarão das fogueiras, em constantes libações de mel azedo que serviam em pequenos cochos de jacaratiá. O cacique, reconhecível pelo vigoroso desempenho e atitudes decididas que assumia, pelo variegado cocar ostentando as penas da araúna ou gavião, motum ou Canindé que lhe cingia a fronte e alteava a estatura, estimulou-lhes a vigília. Quando a friagem da madrugada trespassou os invasores amoitados, um deles não se pode conter e tossiu. Este pequeno incidente provocou o pânico entre os selvagens, em cujo vozerio a palavra “anhanguera” tinha soado muitas vezes, e fe-los abalarem em rápida fuga acossados pelos brancos que os encalçavam, disparando as armas. Ou fosse que, na confusão, os tiros se tivessem perdido ou que os índios, na fuga precipitada houvessem carregado, como costumam, os cadáveres e feridos da sua grei – o certo é que nenhum silvícola morto ou vivo, foi apanhado.
Ao fim do segundo dia que seguiu este acontecimento, acamparam os brotenses na barra do Pouso Alegre a que Onça, porque duas pintadas com cria rugiram toda a noite, cercando o pouso. Cruzaram, depois, a barra do ribeirão das Palmeiras, atual divisa com Bariri e  no oitavo dia, chegaram a foz do Jahu, permanecendo alguns dias na margem direita do Tietê, caçando e pescando para refazerem as desbaratadas provisões de boca e darem aos membros fatigados o necessário descanso.
 Os invasores tinham nessa expedição atravessado de sudeste a noroeste o território hoje ocupado pelos municípios de Torrinha, Dois Córregos, Jahu e Bica de Pedra, impondo as marcas da sua conquista as terras que desvendavam. “Havia, então a lei da posse (diz um obscuro cronista que me transmitiu estes dados), segundo a qual, quem encontrava um córrego ou mesmo um ribeirão fazia um pequeno cultivado na barra e ficava dono de todas as vertentes daquela água”.
Francisco Mira tomou posse dos Dois Córregos; Manuel Joaquim Lopes da bacia do ribeirão São João; Dutra, ao que parece, o leão do bando, assenhorou-se de todas as vertentes do Jahu compreendendo as grandes e antigas fazendas “Pouso Alegre de Baixo”, “Pouso Alegre de Cima” e “Santo Antonio” que inclui no seu perímetro o território em que assenta a cidade de Jahu; Piranha e Velloso instalaram-se na confluência do rio Jahu com o Tietê.


(Excertos do discurso proferido pelo Dr. Mario Gomes Pahim, na inauguração do edifício do Forum de Jahu em 1934).

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