domingo, 29 de agosto de 2010

Nando Reis escreve sobre o XV de Jaú


Fazendo uma justa homenagem ao nosso Galo da Comarca, o XV de Jaú, reproduzo a crônica do Nando Reis publicada no Estado de São Paulo de 07/01/2009.
Com aquele jeito poeta que só Nando Reis sabe expressar convido os leitores e apreciadores deste blog a se emocionarem comigo.

Foto: coisasdamo.wordpress.com

XV de Jahú

Nando Reis (*)

Fim de semana passado estive em Jaú, visitando meu pai. Seu pai e sua mãe nasceram ali, assim como ele. Meu pai hoje mora na casa que foi a sede da antiga fazenda Frei Galvão, assim batizada como uma homenagem a minha avó, descendente do nosso primeiro e único santo. Era lá, durante os anos70, que se produzia a manteiga e o leite que foram vendidos na cidade. na embalagem, ilustrando o nome da marca caseira e familiar, uma imagem do frei desenhada pelos punhos de meu próprio pai. Os produtos conservavam o frescor e a pureza que a canonização futura veio a certificar com legitimidade e surpresa. Leite e´o alimento santo que vitaliza a humanidade nosso corpo profano, imperfeito e pecador. A manteiga é a materialização de nossa natureza engenhosa - transformar sem nunca desperdiçar, exercício que demonstra humildade e consciência de nossa própria degradação. Depois do pecado original parte da civilização se desenvolveu em cima dessa idéia corretiva: melhorar que possível, o que está ao nosso entorno já que a alma foi definitivamente maculada.

A fazenda que foi comprada por meu avô nos anos 50 viveu seu apogeu graças ao café. O lindo terreiro ainda guarda assentado na memória horizontal e ocre de seus tijolos a beleza e a pujança dos grãos beneficiados. A geada de 75 pôs fim ao ciclo vitorioso e o declínio se insinuou sem que a minha ingenuidade adolescente se desse conta da gravidade. Muito do que sou é pelo que ali vivi - nos Canaviais ensandecidos dos bailes do Caiçara à poesia Souzândrade que lia pendurado nos galhos do velho abacateiro brotado quase no fim do pomar, me fiz. E o barro vermelho da terra roxa ainda permanece grudado, mesmo que invisível, na sola dos meus sapatos.

Proseando no terraço rodeado de bouganvilles, eu e meu pai passamos a tarde percorrendo assuntos inevitáveis? a origem da fazenda que acabou por puxar a história de outra anterior e fundamental - o Tucumã e o relato de sua divisão; os ancestrais e o primeiro e patriarcal Cassiano: a crise de 29, a ida pra Duartina, a volta para Jaú, a aquisição das terras, sua expansão, sua estagnação, seu declínio, a morte de meu avô; falamos da importância da permancência dessa fazenda, e mesmo que fracionada, como posse de nossa família. Mas tudo entre nós sempre acaba desaguando no futebol. Falamos sbore meu avô e a construção do Pacaembu/ sobre o atleta que foi meu pai, corredor de 110 metros com barreiras, defendendo o azul e amarelo da Poli ou as três cores do São Paulo. E falamos também sobre os tempos de glória do XV de Jaú, da construção das arquibancadas de madeira do Zezinho Magalhães.

Foi nesse momento que meu pai interrompeu a fala e apontou para o céu tingido que por trás de mim simulava o milagre da Criação: "Olha que pássaro grande!" E quando pudemos acertar os onteiros de nossos olhos com a paisagem da ave pousando no galho da enorme seringueira crescida nas costas da capela, identificamos o casal de tucanos. Sim, um par de tucanos estava parado ali na nossa frente! Encantados com a ilustre e rara presença das aves, silenciamos diante da imagem restauradora. De repente, junto daquele par de bicos alaranjados e ocos, tudo se refez: o café brotou na lavoura, a cachoeira se encheu de gado e os baldes derramaram leite; a manteiga suavemente se esparramou sobre o pão saído do forno e o relógio imenso de desporporcional voltou a funcionar: sussurou no ar um suspiro, o beato antigo. Naquele conciso minuto enquanto os tucanos brindavam com sua improvável harmonia, ouvimos a voz rouca de meu avô gritar novamente um gol do XV de Jaú!




Homenagem póstuma ao meu tio Beto Polli - quinzeano fanático


(*) José Fernando Gomes dos Reis, conhecido como Nando Reis (São Paulo, 12 de janeirode 1963), é um cantor, violonista e compositor brasileiro.

Ex-baixista da banda de rock Titãs, emplacou vários sucessos e hoje segue em carreira solo, atualmente acompanhado pela banda Os Infernais. Gosta de futebol, torce pelo São Paulo Futebol Clube e mantém uma coluna semanal sobre este tema no jornal O Estado de S. Paulo.

Nando tem cinco filhos: Theodoro, Sophia, Sebastião, Zoé e Ismael. Sua primeira neta Luzia, filha de Theodoro nasceu em 2010.

Nando Reis saiu dos Titãs após a gravação do álbum A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana, e ficou conhecido como um dos maiores compositores da sua geração, compondo sucessos como "Diariamente" (com sua ex-namorada Marisa Monte), "All Star", "O Segundo Sol" e "Relicário", gravados por Cássia Eller; "Resposta" e "É Uma Partida de Futebol", gravados pelo grupo mineiro Skank; "Do Seu Lado", gravado pelo também mineiroJota Quest e "Onde Você Mora?", gravado pelo grupo Cidade Negra. Isso sem falar na vasta coleção de hits compostos durante sua permanência nos Titãs, como "Igreja", "Os Cegos do Castelo" e "Jesus não tem dentes no país dos banguelas".

Atualmente é um dos 10 maiores arrecadadores de direitos autorais no Brasil, de acordo com o ECAD, levando em conta músicas tocadas em shows e execuções em rádio (conforme noticiado pela Folha de São Paulo em 7 de Fevereiro de 2009). Músicas suas fazem parte dos últimos lançamentos de Skank (os sucessos "Sutilmente" e "Ainda Gosto Dela") e Jota Quest.

8 comentários:

Eliete Pena"TUDO SOBRE ESTILO E MODA" disse...

Parabéns Nando...adorei!!!
Sucesso e luz
Eliete Pena

Eliete Pena"TUDO SOBRE ESTILO E MODA" disse...

Nando Reis é um grande jauense de sucesso,amei seu relado!
parabéns!!!

Carrara disse...

Realmente a fazenda Frei Galvão é demais!!Passei muitas tardes adolescentes chupando mexericas e falando sobre a vida com as duas primas de Nando:Ana e Keka!! Doces lembranças... De um tempo que não volta jamais!!

Unknown disse...

Muito boa, salve nosso Galo da Comarca!!!

Rodrigo C. S. V. disse...

Nós, semi-exilados de Jaú, sempre nos emocionamos com relatos como esse...Lindo.

dani_lu_jau disse...

Nossa Nando q sdds do Frei Galvão...Parabénss adorei!!!

Unknown disse...

Nossa, me fez lembrar de quando passava meus finais de semana na fazenda Frei Galvão, muita cavalgada e muito leite fresquinho...oh! que tempo bom.

Unknown disse...

Nossa, me fez lembrar de quando passava meus finais de semana na fazenda Frei Galvão, muita cavalgada e muito leite fresquinho...oh! que tempo bom.