domingo, 21 de junho de 2009

Miguel Pacífico - o santo jauense


Jaú tem uma História peculiar quanto a religiosidade nacional. O único santo brasileiro, Santo Frei Galvão (Antônio de Sant'Ana Galvão) tem um milagre realizado nesta localidade as margens do Rio Tietê (embora não reconhecido pelo Vaticano). São Frei Galvão também possue descendentes no município.

A quase beata, Madre Maria Teodora Voiron, dentre tantas obras de caridade ajudou a fundar e a manter dois asilos no interior do Estado de São Paulo sendo um deles em Jaú.

Mas agora falaremos de um "santo" particularmente jauense. Trata-se de Miguel Pacífico, um italiano que aqui viveu em fins do século XIX e início do XX.

Neste dia 22 de junho comemora-se 40 anos que o escritor jauense Murilo de Almeida Prado escreveu sobre as façanhas deste "santo" genuinamente jauense. Em sua homenagem reproduziremos na íntegra o maravihoso texto escrito no Comércio do Jahu.


COMERCIO DO JAHU - 22 de junho de 1969 - p. 1

"O Santo Carpinteiro que não era São José"

por

Murilo de Almeida Prado

Que o tempo divulgue a lenda e Jahu terá o seu santo, que tambem era carpinteiro, como José. Quem passa pela rua Saldanha Marinho terá a sua atenção despertada, a certa altura por uma curiosa estatua de madeira, entronizada num grande nicho e protegida, frontalmente por uma grade de ferro. Ao pé do nicho, uma inscrição em brucês macarrônico, apagada demais para que permita a sua leitura.

A primeira vista, o visitante mal informado pensará que se trata de uma capela original e os mais religiosos se aproximarão com místico fervor, como já tem acontecido. O fotografo da praça, já acostumado a essas visitas tem observado que gostam de levar uma lembrança da cidade, se postam diante do monumento com marcada atitude de respeito, não dissimulando a fé. Alguns chegam a dirigir preces e fazer promessas à imagem que acreditam por certo será milagreira, ou ali não estaria, impondo a sua paz e irradiando tranquilidade. Outros, procurando satisfazer sua curiosidade, interpelam os moradores locais: - "Quem será o santo?".

O "Santo" Miguel

Miguel Pacífico, cidadão jauense, carpinteiro de profissão, não aspirava a santidade. Tinha lá suas manias, entre as quais se contava o desejo de grandeza, mas jamais pensara em atingir seu objetivo por meio de algum apadrinhamento sobrenatural. Aspirava a grandeza, modestamente. Queria uma celebridade terrena, uma consagrção quase mundana.

Talvez porque fiezesse parte da banda que aos domingos se exibia no coreto do jardim, onde já no início do século se viam os bustos de célebres cidadãos, Miguel Pacífico começou a sonhar com uma consagração pública semelhante. Mas quem iria se dar ao trabalho de erigir um monumento em sua homenagem? Ora, Miguel Pacífico, o carpinteiro da cidade, poderia muito bem fazer a escultura de Miguel Pacífico, o músico, o consagrado cidadão.

E pôs mãos à obra. Num carro de boi trouxe dos longes da região, uma enorme tora de cabriuva e, em sua casa, de formão em punho, paciente e impacientemente esculpiu a sua própria figura, copensando os calos da mão com a visão de sua estampa na praça central para eterna glória dos Pacíficos e tranquilos. Mas eis que, terminada a obra de arte, começaram a surgir os contratempos. A prefeitura não queria nenhum Miguel Pacífico no jardim da cidade. As autoridades da época, com uma penada, vetaram lhe o sonho. Ponderou, esbravejou, argumentou e nada.

Persistente, tratou então de completar sozinho o seu intento. Comprou um terreno na rua Saldanha Marinho, então deserta, e construiu o pedestal, o nicho e lá deixou a sua estátua. Estava feliz.

O deus pagão

Desaparecido o homem, Miguel Pacífico, o imortal, teve novo dissabor e seria contrariedade, eis que entre as suas idiossincrasias, não se incluia a libertinagem e no local que escolheu para sua glória foi confinada a prostituição. Era mais uma afronta que as autoridades lhe faziam.

Na cidade, a foca pequena, formou-se então uma lenda desabonadora a respeito de seu caráter e a despeito de sua vida ilibada, honestamente entre o formão e o clarinete. Alias não se sabe mesmo que instrumento tocava o Pacífico em vida, os anais da cidade não informam. O monumento não está nem ao menos registrado no cadastro municipal. Poderia ter vivido honradamente entre o buril e o bombardino e seria o mesmo. As gerações mais jovens, mal informadas sobre sua verdadeira personalidade, transformaram-no numa especie de heroi devasso, divindade misteriosa ou mitologica que presidisse a farra e aos jogos lubricos.

Sua vida de estatua passou a ser um martírio. Não tinha sossego, começava a noite e , durante a madrugada afrontavam-lhe a monumental dignidade com escarnios e deboches. E com que requintes: chapeus de palha na cabeça, cachimbos na boca, vassouras entre as pernas, cigarros nas orelhas. Como a imaginação é fertil, às horas tardias foram poucos os vexames que não sofreu, as agressões morais e, até mesmo físicas. Pela noite a dentro era ele alvo de disparos de carabina 44, uma violeneia insuportavel para qualquer cidadão, possua ou não mania de grandeza. Tiros que não lhe desformaram a aparência, já que a cabriuva era rija, dura como o aço.

Afilhado de Exu

Porem, como nem tudo são dissabores na vida das estatuas, a imobilidade de Miguel Pacífico, Baco interiorano, começou a desfrutar certa compensação. Por fim, a deferencia, o respeito, a homenagem. É que as mundanas, particularmente as da raça negra, identificando-o como um membro menor da hierarquia da macumba, passaram a lhe atribuir poderes sobrenaturais. Umas querendo fazer mal as outras, invocam a intercessão do Pacífico, junto Exu e Ogum. Prestigiavam-no a ele que nem sequer ouvira falar desses senhores do astral e nem entrendia nada desses assuntos.

Seu nicho, de 3 paredes honradas, foi coberta de embrulhos e "encomendas", sacos de pipoca, pés de coelho, ossos, charutos, galinha morta. Miguel Pacífico amanhecia cercado de velas profanas, tudo por que não lhe desvendaram o futuro no qual iria, já contra a vontade perigosamente vivier. Adivinhasse o porvir e certamente teria escolhido outro local para seu descanço e consagração.

A paz

Atualmente o confinamento foi suspenso, as afrontas cessaram eessas praticas não se repetem. Miguel Pacífico esta tranquilo. Tem apenas, uma vez ou outra, que solicitar os prestimos de algum santo verdadeiro (um bom santo canonizado) a fim de atender, com sua boa alma, aos pedidos que às vezes lhe fazem; por engano, é verdade, mas nem por isso, com menor fé ou fervor menos intenso.
Estátua de Miguel Pacífico quando esta se encontrava na Rua Saldanha Marinho
Observações
No início dos anos 70 para a construção da estação rodoviária, seu nicho foi destruido e sua estátua transportada para o Museu Municipal onde se encontra até hoje.
Agradecimentos especiais a Patrícia Alonso do CEDOC da Fundação Dr. Raul Bauab pela ajuda na pesquisa e ao senhor Italo Poli Jr pelas fotos.

Um comentário:

Maria Cecília disse...

Nossa, sou jauense,morei aí durante 20 anos e nunca tinha ouvido falar de Miguel Pacífico!
Boa a iniciativa de recuperar a história de Jaú não apenas com fatos da história oficial, mas com histórias de vida.
Cecília